Tá ai galera, na verdade não ficou tão grande assim, acabei só tratando do tema de Hagime no Ippo ser episódico e não ter um desfecho propriamente dito.
Por favor, se foram comentar cortem apenas a parte comentada para não dar Wall of Text.
Há muitas formas de se responder uma questão, mas têm uma em especial que ganhou minha preferência desde que a conheci. Quando há uma divergência na teologia católica e ambos os temas são de teor elevado, escolhem-se dois oradores e a eles é ordenado desenvolverem elogios aos temas em debate. Diante uma plateia de iguais as duas obras são apresentadas e o melhor só é alçado quando todos os presentes entram em consenso , os textos analisados são apenas a faísca de uma nova discussão.
Agora me perguntam o que isso tem a ver com Hagime no Ippo, a resposta é bem simples, acho que o mangá é um tema elevado e que ao contrário de defendê-lo das injurias de alguns é melhor para todos os envolvidos fazer o elogio do grande esforço de George Morikawa.
Em seus mais de 900 capítulos, 100 volumes é uma obra que por mais que não tenha o sucesso de um one Piece, possui um lugar cativo dentre as grandes produções da industria cultural japonesa. Quando se trata de extensões mastodônticas como as pilhas de papel nas quais estão impressas a história do boxeador Makunouchi Ippo e seus colegas do ginásio Kamogawa não seria justo comentar momentos memoráveis ou passagens empolgantes, pois se até mesmo um autor medíocre consegue eventualmente lampejos de talento, um autor bom certamente os teria em número com 900 capítulos.
É o peso do título que dá o tom de Hajime no Ippo, que faz com que mais de 100.000 pessoas acompanhem a saga, e tantas mais que ao folhear a Shounen Magazine repousam por alguns momentos na linhas densas e sujas de Morikawa. Lembro-me de ler uma passagem do pesquisador de quadrinhos Scott McLoud em que ele ressaltava as principais características dos mangás, para ele o estilo narrativo cinematográfico e o jogo de quadros era o núcleo do gênero, superando em muito o peso dos olhos esbugalhados e linhas de movimento, mas também cobra seu preço, fazendo com obras se estendessem por muito tempo. Hajime no Ippo é longo, talvez seja essa a melhor forma de caracterizá-lo, cada ação, cada luta, cada história se desenrola em passos de bebê, mas com a confiança de um mundo.
Quando ler um round demora muito mais que o tempo da batalha real, têm-se uma dilatação da realidade, um sensação de onisciência na qual se compartilha a contração de cada músculo, o impacto de cada golpe, uma estratégia narrativa cujo objetivo é envolver emocionalmente o leitor. Quando mal executado, os 5 minutos para a destruição de um planeta são mais insuportáveis que uma temporada de fillers e tão relevantes a trama quanto. Se bem executado o leitor torna-se o mestre espadachim no campo de batalha, seus sentidos alcançam cada detalhe e nada é descartável, tudo se resume a luta. Confesso que houveram momentos na qual desejei ardentemente que num capricho do destino o mais ordinário dos socos encerrasse lutas que se estendiam demais, nem por isso deixo de reconhecer a maestria com que Morikawa usa este argumento narrativo a seu favor.
Comentam recorrentemente que a graça de um mangá de esporte está não no esporte em si, mas sim no desenvolvimento dos personagens, eu discordo fortemente desta afirmação, talvez seja verdade em algo como Chiyafuru, afinal de contas Kurata é chatíssimo, mas um Supercampeões ou um Eyeshiel 21 e toda sorte de obras de artes-marciais não sobreviveriam os primeiros 30 capítulos se não fossem capaz de cativar o leitor nos embates. São obras circulares e um que de repetitivas, partidas intercaladas com treinamento e interação social, mas é inegavelmente um modelo forte, o desafio está em mostrar a evolução da trama e dos personagens dentro deste sistema.
Há um discurso da evolução pelo esforço, no condicionamento da mente e do corpo à um objetivo, esta discurso é muito próprio dos japoneses, muito diferente de nossos heróis frutos do destino ou que já começam no ápice de suas capacidades. Um garoto cagão como Ippo pode se transformar em um campeão se pegar suas potencialidades inatas e desenvolvê-las através de esforço e treinamento, este é um discurso nobre e até fácil, mas difícil de ser colocado no papel sem parecer piegas ou exagerado. Quando a personagem em uma noite ou 3 semanas de treinamento vence um oponente que se preparou a vida toda, há uma mensagem muito forte de superação dos próprios limites pela vontade, mas também um mal estar que força o pacto ficcional entre leitor e obra. O incio de Hagime no Ippo deixava este , gosto ruim na boca, mas este se esvai depois quando cada personagem vai crescendo e o leitor passa a conhecê-lo, prática feita em ambos os lados do ringe, e de repente a luta torna-se plausível.
Como a obra é elíptica ela têm dois níveis de catarse, o primeiro é aquele em cada luta que é atingido com o desfecho do combate e no decorrer do mesmo o autor usa todos os artifícios a sua disposição para fazer o leitor se envolver com a luta. Contam a trajetória do protagonista até aquele momento, os treinos e dificuldades pelos quais passou, algum conflito pessoal com o oponente, durante a luta o próprio jogo de forças com muitos quadros quase estáticos e não raro ainda coloca a história do adversário para tentar tirar um empatia do leitor. Ao fim quando um dos dois cai ao chão vem o rejubilo e se alcança algo. Em um nivel maior temos outro processo de catarse, aquele que acompanha o protagonista desde o início, como adquirir lentamente confiança em suas próprias habilidades e ver ele crescer, quase como uma projeção de próprio leitor.
Como se tem um objetivo a longo prazo, conquistar o cinturão de campeão mundial, e que ainda pode ser estendido depois de seus final, com várias defesas de título, Hajime no Ippo não é na prática um anime de missão e sim um de jornada. O prazer que o leitor retira dele está na superação dos percalços. Da mesma forma que One Piece o plot central pode ser prorrogado ad infinitum.