Bom tópico, boa temática. Essa cidadezinha tem duas das minhas bandas favoritas e alguns dos melhores discos da história do rock progressivo.
Só pra começar fica ai um adendo, Camel não faz parte da cena de Canterbury, eles são uma banda de Londres e tocam mais prog sinfônico.
Acima de tudo o rock progressivo de Canterbury tem raiz forte no desenvolvimento do seu próprio estilo de jazz. Também na sua origem influenciada pela psicodelia da época. E o que torna essas bandas tão especiais? O simples motivo do que eu disse não querer dizer nada.
De verdade poucas bandas são de lá de fato. Os dois grupos com maior influência e contribuição são Caravan e Soft Machine (ambas saindo do The Wilde Flowers). Um cara que estava envolvido com o Soft Machine se mudou pra França e lá começou uma banda inspirada nas ideias que surgiam no meio. Ele e sua mulher juntou um bando de hippies e fez o Gong e com essas três bandas nos últimos suspiros dos anos 60 foram os pioneiros da cena.
Neste post vou comentar minhas impressões sobre Caravan e o que me faz gostar tanto desta banda:
Primeiro disco do Caravan em 68, autointitulado, é um grande exemplo do começo de tudo ali. Rock estranho, claramente baseado no psicodélico da época, mas com temáticas bem aleatórias, talvez relevante para a região. A atmosfera na música era às vezes calma e às vezes sombria, o teclado proeminente é a estrela do disco, mas sempre bonito e já dando sinais do que a banda viria a ser nos próximos 4 lendários discos. Os samples de jazz ao estilo deles não foram foco ai, a impressão forte que dá é de tentativa com vários tipos de músicas. Com certeza o ponto alto do disco é a faixa final (que inclusive tem o quote da minha sign na letra) :
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O "If I Could Do It All Over Again, I'd Do It All Over You" é a versão aprimorada e mais focada do primeiro disco. A banda parece que fincou suas raízes, fez tudo com mais convicção e capricho. Neste disco as melodias são bem trabalhadas, os instrumentais são belos e intensos ao mesmo tempo. Algumas características que a banda levou estão presentes ai e bem mais claras que anteriormente; seus temas e estilo britânicos; algumas músicas que contam histórias bem humoradas; o início do jazz caravanico (base harmônica de jazz com variações feitas pela guitarra e teclado); a marca da psicodelia de sua origem com algumas citações sobre drogas e as viagens que os personagens das canções ocasionalmente fazem, não ligando muito para a opinião alheia, cenários abstratos e tentando passar mensagens positivas. E como paralelo ao rock progressivo inglês em geral? Provavelmente somente as faixas "Astoferi 25" e "Can't be long now / Françoise / For Richard / Warlock" segue mais a linha de progressão musical que dá o nome ao gênero, no mínimo peculiar haha.
Diferentemente do disco anterior, o som deles aqui é genuinamente singular. Cada música tem alma e cuidado sem par, alias, minto, a paridade é exatamente o disco anterior. Por que? Simples, basta ouvir ambos e constatarás que o "If I Could" é uma melhoria do que eles haviam feito.
É exatamente por isso que escolher uma melhor para esse disco é muito difícil. A faixa "With An Ear To The Ground / Martinian / Only Cox / Reprise" é uma remodelagem de ideias da "Where But For Caravan Would I?"; outra faixa que merece destaque é a "And I Wish I Were Stoned / Don't Worry", faixa linda, a harmonia ressalta uma calma e beleza que não falham em sensibilizar o ouvinte. No fim acho que ficarei com a "Can't Be Long Now / Françoise / For Richard / Warlock", simplesmente por ser fã de rock progressivo e essa faixa misturar o que há de melhor em Caravan, é definitivamente uma das 5 melhores da banda.
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Então o aclamado "In The Land Of Grey And Pink". A afirmação máxima do que eles já vinham progredindo. Não arrisco dizer que é o melhor disco deles, já que eu gosto igualmente do "If I Could", mas é com certeza o disco mais maduro e sólido da banda.
Como são apenas 5 faixas vale a pena ir num música por música:
Golf Girl é a primeira e como de praxe abre o disco com o lado mais humorístico da banda. Essa música é extremamente britânica em sotaque, temática e ambientação, também é mais uma das músicas românticas. Sobre a sonoridade ela tem um toque único com o uso do mellotron para orquestração além do costumeiro hammond, se destaca o uso agitado e certamente inusitado da flauta.
Logo em seguida vem a famosa Winter Wine. Clássico do rock progressivo, provavelmente a música mais famosa do Caravan. Pequena jornada por um mundo de fantasia e sonho, viradas incríveis que foram repetidas incontáveis vezes no prog rock e no prog metal, talvez por combinar com um estilo mais alto e "pesado". Enfim, tanto faz, o que importa é que nada mais precisa ser dito hu@.
Love To Love You (And Tonight Pigs Will Fly) é a próxima, mais uma música romântica, calma e agradável.
In The Land Of Grey And Pink é uma música com instrumental proeminente. A música toda é basicamente uma harmonia base repetindo-se e variando suavemente, o baixo e o violão dão uma base rítmica para o teclado dar toques sutis a melodia. Mais uma música que leva uma das características da banda, os resquícios de psicodelia na temática. Outra música bem popular da banda e não há de se estranhar isso, convenhamos.
E finalmente a magnum opus do disco, talvez a melhor da banda toda. Aqui na Nine Feet Underground eles fazem a maior mistura entre a interpretação própria do jazz, os elementos progressivos e o detalhe fantástico que só essa banda poderia dar a uma música. Ela é como uma grande síntese do que pode-se buscar ao ouvi-los, também a melhor performance individual de cada sujeito até então (principalmente o músico convidado Jimmy Hastings na flauta e saxofone). Simplesmente palavras não podem descrever essa música, ela fala por si mesma:
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Waterloo Lily por sua vez é mais voltado ao estilo jazz e temas caseiros. O disco é gostoso de ouvir, mas de uma forma diferente, não é mais tão acolhedor, tem um pouco mais de passagens instrumentais e improviso; acho que a principal mudança na sonoridade é o uso de vários outros instrumentos. De fato o disco soa mais produzido que os anteriores, mas ainda fiel ao próprio estilo. É o primeiro disco sem o tecladista David Sinclair.
Pra mim os pontos altos do album são:
Waterloo Lily por ser a música mais folclórica e caseira que eles fizeram nos seus 5 primeiros discos.
Nothing At All contém a mais genuina improvisação de jazz deles, parece que o uso do piano de verdade foi essencial na sonoridade. A sensação que passa é de realmente liberdade, a música não segue linhas fixas e ainda assim não foge do jeito convencional deles de fazer música.
The Love In Your Eye é a melhor do disco pra mim. O trabalho de piano e guitarra são incríveis, todos os outros instrumentos na mistura que inclui trompete, flauta, saxofone e oboé se encaixam perfeitamente. Aqui o arranjo e a progressão são mais progressivas, o que deixou ela especialmente caprichada.
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Por fim o último disco que comentarei sobre: For Girls Who Grow Plump In The Night.
Aqui uma coisa interessante acontece. A banda faz um disco diferente do que costumava fazer, deixando de um jeito claro: mais rock. As músicas tem temáticas um pouco mais diversificadas, talvez essa é a prova definitiva que a banda tinha talento para fazer o que bem entendesse do jeito deles e ficaria bom.
Novamente é um disco com vários artistas convidados para enriquecer a música. A saída do Richard Sinclair (para formar o Hatfield and the North) e a volta do David Sinclair para os teclados foi o principal motivo do jazz estar fora de foco aqui e o uso de ritmos mais agitados (dançantes, como eles diziam na Inglaterra).
Para quem não está acostumado com o prog rock de Canterbury vai achar esse disco o mais acessível. Mas o disco é bom pra caramba mesmo, mesmo agregando outras frentes da música eles ainda fizeram o progressivo que lhes era familiar.
Na minha opinião os pontos altos são:
Memory Lain, Hugh / Headloss com sua introdução meio country feita com viola, ritmo animado durante as partes com letra e batida mais hard rock (principalmente a guitarra e a bateria intensa).
C'thlu Thlu com seu tom tenebroso que é quebrado pelo refrão cantado no estilo pop e do meio ao fim rola um som atmosférico e obscuro a lá King Crimson, me lembra Blue Oyster Cult também. O baixo é a estrela da música definitivamente.
The Dog, The Dog, He's At It Again é tipo um rock dos anos 60 feito com o cuidado especial do progressivo. Música melódica e nostálgica.
L'auberge du Sanglier / A Hunting We Shall Go / Pengola / Backwards / A Hunting We Shall Go que é o principal trabalho do disco. Coincidentemente ou não eles sempre botam as melhores como últimas faixas. Música mais sinfônica deles, a que soa mais grandiosa. Ela não é necessariamente um exagero de teclado com tom alto, tema medieval/barroco proeminente, é só o jeito que a música segue, ela dá essa sensação de majestosidade. O violoncelo elétrico ajuda a dar essa impressão forte, há vários sons acontecendo de forma harmoniosa e que evoluem de acordo com o ritmo dado, a própria definição de rock progressivo.
É isso folks, sábado eu faço um desses para Soft Machine e o resto eu penso no caso.