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O Outro Lado do Lago


Tópico em 'Fanfics & Fanworks' criado por anachan em 11/03/2013, 14:29.
4 respostas neste tópico
 #1
Vamos movimentar um pouco isso...
Esse conto eu fiz pra uma coletânea de histórias do Rei Arthur, mas não terminei a tempo e tinha esquecido de colocar aqui.



- Está chegando a hora. Preparada?

- Nunca se está realmente preparado para os grandes acontecimentos, ou eles perderiam seu valor.

- Você está com medo.

- É apenas ansiedade. Não está ansiosa também? Pelas consequências.

- É o que me consola.

- Essa modulação de timbre novamente...

- Não posso evitar. Mas logo o tormento chegará ao fim.

- Você irá se acostumar.

- Você também.

- Adeus.

- Adeus.

~*~

Novamente, O sonho.

O único sonho que este ser se permite sonhar desde o dia em que sua centelha ganhou consciência. Mais de uma vez pensei ter desvendado seu significado; e mais de uma vez enganei-me.

O peso do tempo e a reflexão me trouxeram a conclusão que nunca se tratou de uma premonição relacionada a uma situação específica que vivenciaria em minha existência. Não, esse sonho com ares de despedida sempre foi a lembrança do meu destino cíclico.

Aprendendo isso, pude relaxar e conviver com as experiências, júbilos e decepções que vieram em decorrência deste destino.

Mas também já estava previsto que eu me acostumaria. Entenderia a importância de cada momento da vida – o momento de caos e o de ordem, o de guerra e o de paz, e muitos outros.

Este é o momento de contemplação.

Cessei de contabilizar o acúmulo de dias e noites, preferindo a noção de tempo através de eras. E já faz pelo menos duas que apenas observo as consequências da descoberta de um tesouro ancestral e esquecido pelos humanos.

Eu confesso que esperava mais.

Os únicos olhos que marejaram com sinceridade perante o retorno da lenda foram os do homem que a desencravou da rocha impenetrável sob a forte chuva de outono. Entretanto, a esperança que nasceu com esse primeiro contato logo desmistificou-se.

É difícil pensar no nascimento de uma nova era quando se está encaixotada em um esquife de vidro, a vista de todos e ao mesmo tempo totalmente invisível. Passivamente, observei o momento de efervescência da multidão. Lunetas modificadas e outros objetos incompreensíveis sendo apontados para todos os meus ângulos, rostos curiosos, incrédulos, inquisitivos...

Nenhum deles, entretanto, tão sensíveis como os do rapaz cujo destino foi trazer-me para a luz novamente. Eu já sabia disso, o responsável destinado a essa tarefa não pode ser uma pessoa ordinária.

Mas sinto que esses são tempos de corações ainda mais duros e mentes ainda mais embotadas do que as minhas selvagens vindas anteriores. Em pouco tempo, apenas os passos ritmados do vigia quebram o silêncio de quando em quando. Um ou outro rosto de cera passeia os olhos pela sala e, quando muito, demora-se meio segundo na placa de bronze que explica o que sou, de onde vim e o que represento.

Então vira-se para a saída com a mesma expressão vazia, sem uma onda sequer na superfície dos pensamentos.

Eu aprendi a ser paciente e perseverante tendo minha mãe como exemplo. Nesses períodos silenciosamente desesperadores, lembro-me dela em sua posição de lótus, sorrindo serenamente de olhos fechados com os cabelos balançando de leve na imperceptível correnteza. Havia uma leve melodia que saía diretamente de seus pensamentos para o exterior, fazendo os peixes e as ondas seguirem seu caminho embalados por um suave ritmo.

Um ritmo do qual não me recordo há muito tempo. A princípio parece um triste fato, mas é uma das coisas que me mantém incorruptível. Não fosse a agridoce esperança de ouvir novamente a canção que reside no coração dos homens, o que seria de mim em dias como esses?

Mais uma lua, mais uma cheia, mais uma estação. Só posso contar com a certeza de que nada é eterno.

E quando a roda gira mais forte, é como se todo o tempo de espera sumisse em um sopro de esquecimento. Começa lentamente, mas é possível perceber.

Uma das paredes, outrora lotada de valiosos quadros, apareceu limpa como em um piscar de olhos. Retirados um a um, lenta e diariamente, efetuaram a mágica da paciência.

Junto com os quadros sumidos de meu salão, surgiram passos apressados indo de cômodo em cômodo fazendo o mesmo serviço. Sombras de estátuas cobriam-me por alguns segundos antes de desaparecerem para sempre. O som de rodas comprovava que os objetos maiores não seriam esquecidos.

O silêncio aumentava dia a dia, como se ganhasse vida. Lá fora, entretanto, um ritmo suave ia gradualmente ganhando fôlego. A impressão era de que a calmaria interna e o burburinho externo competiam e ofendiam-se entre si, buscando cada um a supremacia total.

Chega o momento esperado em que os passos e as sombras dos vigias tornam-se cada vez mais escassos e nem mesmo os poucos e apáticos humanos de antes vagam pelos salões. Diferente do que acontece além dessas paredes, onde um som que me é familiar começa a ressoar infalivelmente.

A espera está chegando ao fim ao mesmo tempo em que o espetáculo se inicia.

Os gritos, explosões e o tremor da terra não causam-me nenhuma comoção além da contagem regressiva que identifico. Essas grossas pilastras estão com os instantes contados, o vidro que me cerceia já está levemente trincado, as paredes nem mesmo contam como obstáculos para os humanos e as máquinas maravilhosas lá fora. Eu vi a que ponto chegaram ao longo dos séculos. Eu sei que sou apenas uma velharia aos olhos deles e por isso ainda estou aqui. Mas é como deve ser, e uma prova disso é que os dias vão passando cada vez mais rápido como se o mundo tivesse pressa.

Ouço passos ecoando fortemente pelo chão abandonado. A respiração descompassada e os gritos esparsos mostram que obviamente é uma perseguição. Três, quatro talvez? Logo chegarão aqui.

O primeiro vulto aparece. Um homem alto em roupas de seu tempo, barba malfeita e suor escorrendo pela face. Não importa época e armamento, um guerreiro é inconfundível. Ele engatilha sua cospe-fogo, infinitamente mais moderna do que a última que já vi, e posta-se ao lado da porta, aguardando. Seja quem for o alvo da emboscada, eu o verei primeiro.

Com a respiração ainda mais desesperada que o primeiro, vejo mais um homem se aproximar. Mais baixo e magro que o primeiro, olhos transparecendo o pânico de quem não conhece tão bem o calor da batalha. A mochila que carrega parece demais para seu físico. Um escudeiro também é inconfundível, não importa quanto tempo passe.

Conforme se aproxima, vejo um pequeno objeto voador mecânico atrás dele a toda velocidade, e assim como a arma de há pouco, não remete a nada que eu tenha conhecido até hoje. A esfera vermelha brilhante no centro dele parece atiçar-se e a distância entre eles diminui, o que provoca o grito do pobre homem perseguido que entra praticamente deslizando no meu salão.

No instante seguinte o guerreiro interpõe-se entre lobo e cordeiro, descarregando uma saraivada de tiros no objeto. Não há barulho e não vejo balas, apenas pequenas faíscas azuis saindo do alvo e indicando as avarias. Com um último estalo ele cai ao chão, agora imprestável.

Pelo visto, aprimoraram a capacidade letal da eletricidade enquanto estive fora... em vários sentidos.

- Lance... - arfando, o escudeiro primeiramente descansa as mãos no joelhos e alguns segundos depois suspira, sentando-se de uma vez e conseguindo sorrir – Essa foi por pouco, hein!

- Vá pro inferno, Arthur – o outro responde duramente, embora não grite – Eu sempre tenho que livrar sua cabeça avoada, não sei como vai se virar se um dia eu não estiver por perto.

- Eu carrego suas tralhas, então estamos quites – ele tira o gorro surrado e passa as mãos nos cabelos ruivos sujos. É pouco mais que uma criança.

- Ei Lance, olha só isso.

- É só uma velharia, a mais inútil possível, pois nem se deram ao trabalho de carregar pra longe daqui quando a guerra explodiu - ele responde, sem desviar o rosto da tarefa de reabastecer sua arma. Mas o garoto continua me encarando sem dar ouvidos ao desprezo dele.

- Queria saber o que tá escrito. - ele passa os dedos sobre a placa de bronze empoeirada, exalando curiosidade por cada poro. Eu sei o que isso significa.

- Isso não vai te ajudar com porcaria nenhuma. De qualquer forma, vamos ficar aqui até a poeira baixar.

- Vamos ficar para sempre, então. O que mais tem nesse mundo é poeira. Sabe – ele se encosta no esquife, sem tirar os olhos de mim – estamos em guerra desde antes de eu nascer. E sabe o pior? Aqui é o lado fraco da corda. Não temos nem metade dos brinquedos que 'eles' tem... mas continuamos lutando sem nos render... meio idiota, não é? Só fazemos morrer.

- Ficou maluco, Arthur? Tá falando sozinho?

- Acho que ela deve estar aqui largada há muito tempo, só estou contando as novidades dos últimos vinte anos.

- Ficou maluco mesmo. E espere aí, por que ela?

- Bem, se eu for imaginar uma companhia, prefiro que seja uma garota.

- Você tem cada uma... - Lance segurou uma risada, balançando a cabeça incredulamente – bem, sonhe com o que quiser enquanto temos um teto, pois só vai piorar daqui pra frente.

O jovem continuou falando sobre a época em que nascera. Escutei pacientemente o desabafo a respeito da ascensão e queda de uma civilização. Da guerra interminável. Das infalíveis e refinadas máquinas de matar. Do céu cinza e do ar empesteado em fumaça. E das atitudes que arruinaram o mundo antes de seu nascimento e o fizeram lutar uma batalha que nunca escolhera.

Independente dos aparatos, tempos caóticos também são inconfundíveis.

- Às vezes acho que o melhor é simplesmente sentar e morrer, já que a esperança acabou. - ele encosta-se ao meu esquife judiado, olhando para o teto carcomido do salão com uma expressão desolada. Através de seu relato, posso imaginar a forma da juventude desgastada dessa época.

Mas esse mundo é de vocês, e a esperança só termina quando vocês o permitem.

- Fácil falar. Mas eu estou cansado. - enfatizando a última palavra, o garoto desconta um pouco das frustrações socando o vidro do esquife com força mais que suficiente para trincá-lo totalmente e partir-se em mil pedaços, da mesma forma que a velha placa de bronze. Agora estou ao alcance das mãos dele e, diante disso, o fato de ter me respondido instintivamente deve ter passado despercebido.

- Arthur!!! Diabos, não faça tanto barulho... - Lance se aproxima inquieto, mas silencia ao ver o olhar fixo do amigo na espada secular e inútil. Ele observa Arthur como a um estranho nesse momento, e assim o pareceria para qualquer um que o conhecesse.

- Ainda está inteira... - ele sussurra, passando os dedos pela minha lâmina e retirando uma parte da camada de poeira que a cobre. Sinto-me aliviada. - Pra que será que serve isso...?

Antes que Lance termine sua sentença sobre não carregar tranqueiras extras, sinto as mãos dele me retirando do suporte bambo e quase hesitando pelo peso. Ele logo entende a maneira certa de segurar-me, e o faz com as duas mãos. Alguns tropeços iniciais e me vejo em pé novamente... junto com o espírito do garoto que parece renovar-se junto aos raios solares que passam pelas janelas. Nesse momento, a canção volta a soar e morrer seria uma ideia estapafúrdia.

- É bonita, não é, Lance? Se a paz tivesse uma forma, acho que seria assim.

Confesso que já se referiram a mim como um instrumento de paz, mas nunca antes nessas condições puras. Diferente da inocência do garoto, Lance me encara quase como se soubesse a verdade. Entretanto, não dá sinais de querer livrar-se de mim.

- Não sei se é bem pra isso que sua amiga serve.

O momento é interrompido pelo som de passos rápidos e irregulares ecoando pelos corredores e se aproximando do salão. Rapidamente e como esperado de sua função, Lance prepara-se com a arma na mira, mas a figura que surge parece frustrar suas expectativas. Por outro lado, reconheço o visitante logo que ele adentra o recinto.

Um velho senhor em farrapos, longa barba e rugas no rosto e mãos, muito diferente do jovem de olhos azuis profundos que uma vez derramaram lágrimas enquanto suas mãos me desencavavam da rocha e faziam meu parto para este mundo. Agora sei que não esperei tanto tempo quanto imaginei.

Mas para ele e sua expectativa de vida humana, deve ter sido uma tortuosa espera.

- Quem é você? Algum refugiado? Apesar que parece mais um estrangeiro... - o tom ameaçador de Lance não parece intimidá-lo nem interrompe seu longo fitar na minha direção e na de Arthur.

- Sim, sou um estrangeiro. Mas não sou um homem de armas, excetuando a broca e a picareta – finalmente ele responde, torcendo um sorriso enrugado – Mas isso foi há muito... e não temos tempo para apresentações, pois logo esse lugar vai ruir.

Como se cumprisse as palavras profeticamente, uma explosão externa fez a construção tremer e pudemos ouvir o som de uma das salas adjacentes desmoronando. Lance olhou uma última vez para o velho e voltou-se a Arthur, puxando-o pelo ombro para a saída. Com o movimento brusco, o garoto deixou que a minha ponta caísse pesadamente ao chão.

Essa sensação não é nada gloriosa.

- Por Deus, homem, seja mais cuidadoso! - erguendo a voz pela primeira vez, o velho senhor aproximou-se e ajudou Arthur a levantar a lâmina, confidenciando algo em voz baixa – Logo será capaz de levanta-la sozinho.

- Como assim...? O que ela é?

- Podemos conversar enquanto andamos – Lance intrometeu-se entre o ancião e Arthur, ainda visivelmente desconfiado mas sem intenções violentas a vista. - Antes que acabemos soterrados...! Então você poderá dizer o que sabe sobre... ela. - ele aponta minha lâmina com um rápido movimento de cabeça, disfarçando ao máximo a própria curiosidade.

O guerreiro é teimoso e cauteloso, mas não um tolo.

Entretanto, ele não tem escolha a não ser esperar que meu velho conhecido apanhe o pedaço da placa de bronze gasta e empoeirada que leva meu nome e a entregue ao jovem Arthur.

- Eu lhe contarei sobre ela e as lendas que a cercaram por séculos a fio. E também a meu respeito. - ele completou, retribuindo o olhar analítico de Lance.

Arthur apertou a placa entre os dedos da mão livre e a observou carinhosamente. Nesse momento senti nascer em seu coração um sorriso sincero do qual havia desistido há muito tempo, e o desejo de entender o significado daquele nome.

- O que é uma 'lenda'?

- Eu lhe explicarei isso também.

Nos aproximamos em silêncio da saída do velho museu que, assim como meu descanso, não vai durar até o crepúsculo. Um mundo de caos aguarda meu retorno e é terminado o momento de contemplação.

Pois o Rei, o Guerreiro e o Sábio novamente cruzaram meu caminho, e a canção de minha mãe voltou a sussurrar no coração dos homens.

FIM
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 #2
Mto bom ana....leitura agradável...
Já dá para escrever o Livro 04 de ''As Crônicas de Arthur''...hauhauhua
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 #3
(12/03/2013, 15:57)rktales Escreveu: Mto bom ana....leitura agradável...
Já dá para escrever o Livro 04 de ''As Crônicas de Arthur''...hauhauhua

lol valew
obrigada por ler, que bom que curtiu^^
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 #4
(12/03/2013, 16:17)anachan Escreveu: lol valew
obrigada por ler, que bom que curtiu^^
Poste mais coisas desse tipo...de vez em qdo... xD
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 #5
legal curti muito bom!!
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